Origem / Historial:
Almeida e Silva tinha uma especial predilecção por diversos locais nos arredores de Viseu onde colhia uma particular inspiração. Um desses lugares era a Aldeia de Santiago, que imortalizou em várias obras e que parece ter sido o palco para uma série de outras, como Sol da Tarde na Aldeia (apresentada na SBAP em 1923), A Canção da Aldeia (1925 – exposta no Rio de Janeiro), em que retrata as gentes das aldeias beirãs e os seus afazeres diários
A obra O “Van-ruge” (corruptela da expressão francesa vin-rouge), comummente conhecida por Saloio, mais uma vez sublinha o fascínio que o mundo rural exercia em Almeida e Silva, tanto pela sua dimensão etnográfica, quer pelas figuras populares em si mesmas, autênticas “personagens-tipo”.
O “Van-ruge” porém, além de ser um desses “personagens-tipo” que existem nas aldeias, neste caso representando o “maluquinho” ou o bêbado, era efectivamente uma pessoa concreta, real, com personalidade e história própria e, por isso, esta obra pende mais para um retrato do que para uma “pintura de género”, como acontece com as Hortaliceiras ou com o Regresso da Horta.
No verso da tela desvenda-se o mistério do “Van-ruge”, dado que o artista fez a seguinte inscrição:
“O Van-ruge de Santiago | Este Homem andou pela França como trabalhador. Amante do vinho, pedia-o com as únicas palavras que aprendeu: vin-rouge. E assim ficou sendo o popular Vanruge”.
O retratado surge em busto, trajando camisa, colete e um casaco grosso, sendo especialmente característico o uso do barrete comprido, com borla, que se usou por todo o século XIX nas zonas rurais e que se manteve a uso tardiamente nas comunidades “saloias” dos arredores de Lisboa e em muitas aldeias do país. Em pano de fundo estendem-se campos planos, pontualmente assinalados com arvoredo.
O colorido e a intensidade luminosa da paleta acentuam os traços e as rugas do rosto do personagem, revelando a sua idade avançada. O semblante gentil e o sorriso amável, talvez até ingénuo, complementam o olhar do retratado, que nos fita de frente, mas em que se sente uma divagação expressiva que caracteriza um estado mental “ausente”.
O “Van-ruge” é um retrato emotivo, uma daquelas obras que Almeida e Silva fez não tanto por um interesse temático, mas sobretudo pelo impulso que sentia em representar o mundo que o rodeava e as pessoas com quem se cruzou.