Iconografia | Estes quatro estudos sobre papel (MGV.Inv.1586, 1597, 1598, 1599), preparatórios dos painéis decorativos da Sala dos Passos Perdidos, integram o elenco de personalidades históricas, numa representação diferenciada do que habitualmente se considerava a lista de personalidades marcantes da História de Portugal, desconhecendo-se se esta escolha terá sido apenas do artista. Trata-se de uma cronologia, desde a época medieval até à contemporaneidade, nas figuras de Passos Manuel e José Estevão, elegendo um republicanismo convicto, assistido por Almeida Garrett e Alexandre Herculano.
Esta epopeia, tendencialmente escolhida, eliminava algumas figuras, como o Infante D. Henrique, mas ligava-se ao entusiasmo de Domingos Sequeira que na década de 1820 propunha o registo dos grandes acontecimentos da sua época, Alegoria à Constituição de 1822, e planeava realizar pinturas dos representantes da nação, nas primeiras sessões da Cortes. Estes estudos preparatórios, existentes no MNAA, nunca foram concluídos por razões políticas que afastaram Sequeira para o exílio em Roma, perante a situação conturbada do país, marcada pela Vilafrancada e o golpe de D. Miguel contra o liberalismo. Esta coincidente circunstância de projectos alusivos à História de Portugal destes artistas, constitui um dos únicos pontos de ligação entre ambos, desde as entusiásticas aclamações dos ideais liberais de Sequeira, na década de 1820, à observação pictórica de Columbano, professor de Pintura de História na Academia de Belas-Artes, tal como Veloso Salgado, ambos escolhidos para decorações no Palácio de S. Bento. Eram anos de grande instabilidade política, sublinhada por sucessivas mudanças de governo e houve até uma noite sangrenta, em 1921, num período que se estendeu até 1926, ano da dissolução do Parlamento por imposição do regime ditatorial, e da consequente interrupção do trabalho de Columbano, tal como acontecera a Sequeira.
Estes desenhos revelam a preocupação de Columbano pelo rigor do traje que identificava a época, mas também pelo registo da expressão e gestualidade. Individualizados dos restantes personagens, estes esboços assumem poses teatrais que se irão ajustar aos seis paineis históricos, construindo uma espécie de filme, a partir de “frames” de espectacular impacto, ampliadas no sentimento de admiração pelos vultos históricos considerados marcantes. A sua qualidade cromática inspira-se nas cores dos vidros da abóbada deste espaço, criando assim uma equilibrada uniformidade estética. Columbano considerava apenas dois reis, D. Dinis, poeta e músico que Veloso Salgado também pintara para a Bolsa do Porto, em 1899, em atitude meditativa. Tanto no Porto como em Lisboa, aproximavam-se de um imaginário real, sublinhado por um tratamento cromático da túnica que inspirou Columbano, em 1921. Neste primeiro painel, o rei D. João II, “Príncipe Perfeito”, responsável por traçar uma política de expansão atlântica e caminho marítimo para a India, juntava-se a João das Regras, o doutor que se distingue pela defesa do Mestre de Avis nas Cortes de Coimbra de 1385, permitindo a aclamação de D. João I, omisso nos painéis.
Numa contração de tempos, Columbano atribui um destaque específico a figuras que prepararam e definiram momentos e quadros históricos incontornáveis, como as artes, os descobrimentos marítimos e a argumentação que permitiu ultrapassar uma crise política, ao apreciar os bastidores da História. Os desenhos prepararam a ideia que mais tarde concretizaria os conceitos estudados e exploravam a individualidade destas personalidades, assim como a gestualidade teatral que nos painéis se amplifica, em poses cenográficas, cria um efeito visual de movimento, sob fundos neutros, tratados por uma delicada pintura em mancha.
Maia de Aires Silveira [in "Identidades, Pronomes e Emoções. As REgras do Retrato]
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