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Luxo, mistério e funcionalidade
Museu Nacional do Traje e da Moda



Apresentação

 

A colecção de bolsas, carteiras e malas femininas do Museu Nacional do Traje

O termo mala tem sido genericamente usado ao longo da história para designar um acessório essencial que serve as funções de algibeira, bolsa, carteira, saco ou até bagagem. É um acessório portátil e prático que esconde e guarda os pertences de quem o usa, desde os mais preciosos e afectivos aos mais mundanos e funcionais. Encerra em si a característica dualidade privado/público, porquanto a intimidade do seu conteúdo e os objectos pessoais, por um lado, e a sua forma e exterior, por outro, são a imagem do seu possuidor.

Em termos de designação, os termos mais utilizados são bolsa, carteira ou mala para determinar funções, materiais ou formas diferentes. Na caracterização destas tipologias consideram-se assim o tamanho, a forma, os materiais empregues e a datação. O termo “bolsa” é usualmente usado para designar uma mala ou saco de pequena dimensão, de tecido ou outro material leve e flexível. A “carteira” refere-se de uma forma geral e principalmente a partir do século XX, a uma mala de mão, por vezes de maior dimensão do que a bolsa, de um material mais rígido e resistente.

Não referimos aqui todas as outras tipologias e formas que foram surgindo principalmente ao longo das últimas décadas, mas que integram estas categorias gerais de classificação. A identificação das categorias e o estabelecimento da datação são, aliás, questões sempre sensíveis quando se estuda uma colecção num museu. Se por um lado temos dados materiais que são indicadores inequívocos, por outro há muitas vezes informações contraditórias entre esses dados e as informações de registo, de análise comparativa com peças coevas ou com a bibliografia disponível, para além do facto de muitos modelos se manterem em uso durante um período alargado. Por essa razão, a datação das peças apresentadas é muitas vezes abrangente, dada a dificuldade de definir uma baliza cronológica reduzida.

Ao longo dos tempos, homens e mulheres usaram malas ou bolsas por razões práticas, para transportarem armas, ferramentas ou, até, comida, segundo vestígios datados de há cerca de 5000 anos. No Antigo Egipto, foram encontradas em câmaras funerárias datadas entre 2686 e 2160 a.C. malas de pele com pegas, bem como bolsas de linho e papiro. Na Antiguidade, os gregos suspendiam dos cintos a byrsa, pequena bolsa de pele para moedas e as mulheres romanas tinham pequenas bolsas de rede, as reticulum. A bolsa porta-moedas fechada com um cordão foi, portanto a mais utilizada tanto por homens como por mulheres. Na Idade Média, a escarcela era um porta-moedas suspenso do cinto, em couro por vezes decorado ostensivamente.

As malas pequenas eram apanágio dos indivíduos mais abastados. As grandes malas ou sacos levados a tiracolo ou sobre os ombros sugeriam um dia árduo de trabalho e eram essencialmente usados por camponeses ou peregrinos. No entanto, no século XV há exemplos de malas grandes e com decoração elaborada usadas pelos homens da aristocracia e realeza.

No século XVI, as saias volumosas permitiam às mulheres ocultar os seus objectos entre as pregas ou mesmo nas mangas dos corpetes, mas a partir de meados do século XVII outra peça competia com as pequenas bolsas ocultas em termos de funcionalidade. Tratava-se de algibeiras de tecido em forma de pêra, atadas à cintura, sob a saia em ambas as ancas. Estas algibeiras/bolsos não estavam cosidas à saia, ao contrário dos bolsos cosidos das casacas masculinas do século XVII que acabaram com a necessidade de um porta-moedas pendente ou de uma bolsa de fantasia.

No entanto, é essencialmente a partir de finais do século XVIII que se identifica o desenvolvimento da mala especificamente feminina. As bolsas femininas existiam já, como vimos, antes do surgimento dos vestidos de estilo Império, mas assumiram-se definitivamente como acessório feminino ao acompanharem as linhas simples, os tecidos leves e a silhueta direita de cintura subida, que eliminou por completo o espaço para bolsos ou algibeiras interiores. As pequenas bolsas com um cordão como pega foram chamadas “indispensables”, em Inglaterra, ou “reticule”, em França, assim designadas a partir das bolsas de rede reticulum usadas pelas romanas. Devido ao seu reduzido tamanho foram satirizadas como “ridicule”.

Ao longo do século XIX, prevaleceu a forma da pequena bolsa com cordão mas as senhoras começaram também a usar bolsas com estrutura e fecho de metal ou tartaruga. Outras mudanças dizem respeito ao tamanho das bolsas, dependente da forma, corte e proporção dos trajes. À medida que as saias se alargam, as bolsas tendem a diminuir de tamanho. Em meados do século XIX, outros receptáculos para transporte de objectos pessoais competem com a pequena mala de mão: regalos, bolsas de rede e chatelaines (um conjunto de objectos de uso doméstico em miniatura – chaves, dedal, tesoura ou agulheiro, entre outros –, usados suspensos em correntes presas por um gancho a um cinto).

No que respeita à decoração, também as bolsas reflectiam a feminilidade e sentimentalidade oitocentista, desde as bolsas de rede e missangas às bolsas pintadas à mão com paisagens ou arranjos de flores. Estas eram frequentemente bordadas ou pintadas pelas próprias, que assim promoviam socialmente a sua mestria e talentos. Ao mesmo tempo, coexistiam bolsas e malas de mão mais resistentes e simples. Era aceite e até desejável que uma senhora tivesse várias malas diferentes para diferentes ocasiões do dia.

As carteiras ou malas de pele resistente com alças surgem já no final do século XIX, inspiradas na bagagem de mão para viajar, com fecho, chave e compartimentos interiores.

A partir de finais do século XIX e nas primeiras décadas do século XX foram muito populares as bolsas de malha metálica prateada ou, mesmo, de prata. Também a partir de finais do século, as malas ou carteiras mais funcionais começaram a ser usadas em vez das pequenas bolsas, acompanhando a rotina diária das mulheres que cada vez mais tinham uma vida social fora de casa, encontravam-se e iam às compras nos grandes armazéns e nos estabelecimentos comerciais mais em voga.

Na primeira década do século XX, até à I Grande Guerra, as malas de senhora variavam desde a forma mais exótica à mais prática, numa linha de continuidade do século anterior: bolsas de malha de prata, bolsas-chatelaine e bolsas com elaboradas decorações em missangas continuavam a ser usadas, ao mesmo tempo que a influência do orientalismo e da Arte Nova inspirou a busca por tecidos antigos, veludos, tapeçarias e rendas e as sufragistas eram pioneiras no uso de carteiras de maiores dimensões com alça aos ombros.

Durante a década de 1920, os Anos Loucos, a Art Deco e a nova postura da mulher na sociedade, influenciaram em alguns aspectos as bolsas e carteiras de senhora, desde a geometria da estrutura e decoração, à simplificação da forma e à adaptabilidade às novas funções. Algumas quase que representavam as linhas direitas e simples dos vestidos, cujas dimensões apenas deviam conter o batom, os cigarros e algumas moedas. Nesta década e na seguinte, as bolsas de rede e missangas continuaram a ser extremamente populares, bem como as bolsas policromas executadas em petit point, estas últimas usando-se ainda nos anos seguintes.

Durante a Segunda Guerra Mundial, em parte devido às restrições de pele, metal ou outros materiais, as carteiras tornaram-se mais sóbrias, prevalecendo o aspecto prático. Mas o período pós-guerra vê renascer a feminilidade e a exploração de novos materiais sintéticos, ao mesmo tempo que se desenvolvem importantes casas de moda. Tal é o caso da lucite, um novo plástico rígido que marca a segunda metade de 1950, vendido em várias cadeias de lojas.

As carteiras dos anos 1960 acompanham a cultura jovem não-conformista e quebram com algum tradicionalismo anterior. Exibem formas simples e são executadas em materiais muito diversos como madeira, palha, tecidos, PVC ou poliuretano, de influência étnica e com materiais exóticos. Surgem criações mais extravagantes e divertidas, como as malas psicadélicas de lantejoulas ou os estampados das carteiras criadas por Emilio Pucci. Já na década seguinte, as malas de senhora são influenciadas por vários movimentos e atitudes, desde o feminismo, as viagens que se tornam mais globais, o desporto e o estatuto da moda, com muitas marcas a assumirem importantes linhas de malas de senhora, como a Gucci, a Dior ou a Fendi. A moda unisexo tem também a sua expressão em carteiras executadas em ganga bordada ou de pele com alças para suspender aos ombros, usadas indiscriminadamente por homens e mulheres. É também no final dos anos 70 e início dos 80 que surgem as malas usadas quase como jóia, acessório fundamental para as saídas à noite e acompanhar o disco.

A partir das décadas de 1980 e 1990, e até aos nossos dias, as criações de designers já reconhecidos conduzem ao aparecimento constante de malas icónicas, explorando todas as formas, materiais e inspirações. Miuccia Prada, Christian Lacroix, Karl Lagerfeld , Lulu Guinnness, Moschino são alguns dos nomes que marcam extravagantemente este acessório. Casas como a Fendi, Prada, Gucci, Hermés ou Vuitton reinventam as suas mais conhecidas criações e é a própria marca que explora a nova imagem e acompanha os novos conceitos, com o trabalho de novos directores criativos: Marc Jacobs na Louis Vuitton, John Galliano na Dior, Tom Ford na Yves Saint Laurent ou Nicholas Ghesquiere na Balenciaga, são apenas alguns criadores que fizeram a diferença nas malas destas últimas décadas.

Simultaneamente, assiste-se nos últimos anos ao aparecimento de jovens criadores e artesãos que confeccionam as malas manual e artesanalmente, com materiais e tecnologias locais, assumindo uma identidade própria e de diferença relativamente ao mercado de massas e ao comércio de luxo.

“A história da mala feminina acompanha, assim, a história da emancipação da mulher porque o modo como a mulher transporta os seus pertences está intimamente relacionado com a forma como dirige a sua própria vida.” (Johnson, 2007: XXV) Ao longo dos tempos, as bolsas e as malas enraizaram-se na vida quotidiana da mulher, tornando-se um reflexo do seu tempo, de sensibilidades e culturas, de identidade individual e social, servindo até como objecto de estatuto social.

A colecção do Museu Nacional do Traje possui exemplares de diversas formas, tamanhos, estilos e materiais, que acompanham a história deste acessório feminino enquanto reflectem a própria história social da mulher, as escolhas políticas, as mudanças económicas e os papéis de género. A mala é por isso considerada, para além da sua funcionalidade, um acessório essencial de moda.

Xénia Flores Ribeiro

Este texto não foi escrito ao abrigo do acordo ortográfico.

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