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FICHA DE INVENTÁRIO
Denominação: Criação dos Animais Autor: Fernandes, Vasco (Viseu 1475-1480 - Tomar 1542) Oficina / Fabricante: Viseu Datação: 1506 d.C. - 1511 d.C. - Renascimento Suporte: Madeira de castanho Dimensões (cm): altura: 171,9; largura: 86,4; Descrição: Pintura a óleo sobre madeira representando a Criação dos Animais. Na fiada superior, que incluía, segundo a versão do Génesis, os seis dias da Criação, integra-se este belo painel que corresponde ao sexto dia: "Et fecit Deus bestias tarrae juxta species suas, et jumenta, et omne reptile terrae in genere suo. Et videt Deus quod esset bonum"(Beresith, I,25)
A primeira sensação diante desta obra é a da integridade entre o Criador e os animais acabados de formar.
O Padre Eterno aparece em primeiro plano, como figura vigorosa, ocupando grande espaço da composição, com os atributos de máxima majestade - a coroa imperial e o manto que num vermelho muito expressivo parece esvoaçar. Contudo, é figurado como um homem real, que poderia ser um serrano da região, mostrando o seu grande pé descalço assente na terra.
Deus olha com amor, levantando as mãos à altura do peito em gesto de criação e benção.
"Em primeiro plano aparece um cavalinho branco, com as patas de frente flectidas. Ao lado, um pouco mais discretos, encontram-se um boi, um cordeiro, um lobo e um porco. Mais longe num fundo de floresta distinguem-se diversas aves e um veado, um elefante e um unicórnio. A teatralidade da figura do Padre Eterno é acentuada pela coroa, pelo pé suspenso e pelo longo manto, que num vermelho muito expressivo se agita, realçando, também, a linha diagonal da composição. As formas vigorosas, pese embora alguns erros de desenho no cavalo em primeiro plano, a desenvoltura plástica na conquista do espaço ou na modelação do manto, o extraordinário efeito lumínico do fundo, onde se recorta num tratamento delicado a vegetação, são no conjunto aspectos bem reveladores dos recursos técnicos do jovem Vasco, numa fase precoce da sua longa actividade." (Rodrigues, 1992) Incorporação: Transferência - Capela-mor da Sé de Lamego (até ao século XVIII); Sala do Capítulo da mesma Sé (até 1912).
Origem / Historial: *Forma de Protecção: classificação;
Nível de classificação: interesse nacional;
Motivo: Necessidade de acautelamento de especiais medidas sobre o património cultural móvel de particular relevância para a Nação, designadamente os bens ou conjuntos de bens sobre os quais devam recair severas restrições de circulação no território nacional e internacional, nos termos da lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro e da respectiva legislação de desenvolvimento, devido ao facto da sua exemplaridade única, raridade, valor testemunhal de cultura ou civilização, relevância patrimonial e qualidade artística no contexto de uma época e estado de conservação que torne imprescindível a sua permanência em condições ambientais e de segurança específicas e adequadas;
Legislação aplicável: Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro;
Acto Legislativo: Decreto; N.º19/2006; 18/07/2006*
Segundo documento encontrado por Vergílio Correia na Torre do Tombo, este painel fazia parte de um políptico para a capela-mor da Sé de Lamego, encomendado pelo Bispo de Lamego, D. João de Madureira (1503-1511), ao pintor viseense Vasco Fernandes.
O primeiro contrato foi firmado em Lamego a 4 de Maio de 1506, ficando o retábulo concluído em 1511. Apesar de restarem apenas cinco painéis de um conjunto inicial de 20, o segundo contrato (o primeiro mencionava um número menor de painéis), lavrado a 4 de Setembro de 1506, estipulava que Vasco Fernandes devia executar um retábulo constituído por um conjunto de 20 painéis pintados, que seria composto por esta ordem: dois painéis ao centro, figurando o de cima Deus Pai com o globo na mão e rodeado de anjos, e o de baixo, a Virgem, sentada, com o Menino ao colo; em três fieiras com três quadros de cada lado, cenas da Criação do Mundo, da Criação de Adão, Infância de Jesus, desde a Anunciação até à Apresentação no Templo. Também da sua responsabilidade seria a estrutura arquitectónica em talha, bem como so diversos pormenores de acabamento. Forma, dimensões, programa iconográfico, marcenaria, preço e condições de pagamento foram rigorosamente indicados pelo exigente Bispo.
O retábulo manteve-se no local para que foi destinado até que obras realizadas no séc. XVIII o fizeram apear e desmembrar. Diz Vergílio Correia que "durante dois séculos o políptico permaneceu armado na capela maior da Sé, até que as obras realizadas no segundo quartel do século XVIII atiraram a maior parte das tábuas desligadas para destinos incertos. Algumas sériam oferecidas a igrejas pobres, outras queimadas por imorais. O século de setecentos não compreendia já as ingenuidades dos primitivos e a série da "Criação de Adão", vista de perto com os seus nus flagrantes, deveria indignar ou fazer estoirar de riso o cabido em claustro pleno" (Correia, 1942). "Na verdade, já em 1639 as "Constituições Sinodais do Bispado de Lamego", na esteira de toda a legislação congénere posterior ao Concílio de Trento, haviam a "decência" das obras de arte do interior dos templos, ordenando aos visitadores que mandassem destruir ou reformar os espécimes em que tal não se verificasse" (Gonçalves, 1990)
Em 1910 encontravam-se os painéis na Sala do Capítulo, mas dos vinte painéis iniciais, apenas cinco se viriam a salvar.
Nos "Autos de Arrolamento da Comissão Concelhia de Inventário", relativos à Fábrica da Sé, realizados em 1911, o quadro é mencionado no nº 812: "Um quadro em madeira, de bastante valor, representando São Canuto, tendo um metro de largura e um metro e oitenta e quatro de altura."
Em 1912 passam para o edifício do antigo Paço Episcopal, sendo incorporados na colecção do Museu de Arte e Arqueologia criado em 1917, actual Museu de Lamego.
Segue-se cronologia apresentada no relatório do tratamento efectuado nos 5 painéis pela empresa Arterestauro em 2002.
"1511- Fica terminado o retábulo;
1651 - data a que foi sujeito a uma intervenção "que por antigo necessita de reparo";
1656 - foi pintada a capela-mor;
séc. XVIII - o interior da Sé foi reformado;
1881 - quatro dos cinco painéis encontram-se expostos na sala do Capítulo da mesma Sé;
1919 a 1923 - Luciano Freire tratou os cinco painéis, mencionando que na Anunciação, Visitação e Circuncisão, o seu estado de conservação "era deplorável por estarem repintados na sua quase totalidade e terem a tinta caída em muitos pontos";
1940 a 1955 - Fernando Mardel tratou os painéis com a representação Criação dos Animais, Circuncisão e Apresentação no Templo;
1983 - Os painéis Anunciação e Circuncisão são tratados no Instituto José de Figueiredo;
2001 - o painel com a representação Criação dos Animais é verificado o seu estado de conservação pela Arterestauro."
2002 - a mesma empresa procede ao tratamento deste painel."
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