Origem / Historial:
Esta maqueta representa o corpo central do edifício do Erário Régio projectado pelo Arquitecto
José da Costa e Silva (1747-1819), em 1789, para o Sítio da Patriarcal Queimada, em Lisboa,
actualmente designado como Praça do Príncipe Real.
Embora a construção do edifício tenha sido iniciada logo em 1790, os trabalhos foram sendo progressivamente retardados até serem suspensos, em definitivo, em 1799. As fundações do erário, entretanto realizadas, foram posteriormente integradas no Reservatório da Patriarcal, projectado pelo engenheiro francês Louis-Charles Mary (1791-1870) e construído em 1863. A maqueta terá sido elaborada por um entalhador, emborse desconheça qual.
A relevância desta maqueta pode ser avaliada quer na compreensão dessa e da restante de Costa e
Silva e da arquitectura portuguesa, na transição do século XVIII para o século XIX, quer na
compreensão das práticas projectuais então vigentes, em particular na relação estabelecida entre
desenho e representação tridimensional.
Para a compreensão do projecto do erário e para a discussão que, a partir dele, é feita sobre a
arquitectura portuguesa sua contemporânea, mais do que corroborar alguns dos argumentos
comuns, que tendem a antagonizar-se entre a defesa da passagem de estéticas tardo-barrocas para
estéticas neoclássicas (França, 1994) e a verificação do recurso reiterado a fórmulas da
tratadística, no caso provenientes dos Livros de Sebastiano Serlio (Pereira, 1995), a maqueta
poderá sobretudo contribuir para se discernir o grau de canonicidade da adopção das ordens
arquitectónicas, atestando a formação academista de Costa e Silva em Itália. Na maqueta, é claro
o empenho na definição e no controlo do léxico arquitectónico clássico, sendo disso exemplo a
entasis das colunas e a pormenorização detalhada dos respectivos capitéis.
A maqueta permite ainda vislumbrar a solução proposta por Costa e Silva para o corpo central do
seu projecto para o Real Palácio da Ajuda, elaborado em parceria com Francisco Xavier da Costa
Fabri (1761-1817), em 1802. Quer no erário, quer no palácio, foram projectadas estruturas de base
octogonal, desenvolvidas em três pisos e rematadas por cúpulas oitavadas. O projecto do palácio
poderá ser observado como um desenvolvimento de opções estruturais e formais equacionadas no
projecto do erário.
Além destes contributos, a maqueta deve também ser observada como um documento síntese do
projecto, articulando a representação das suas situações espaciais mais complexas com a
transmissão da uma necessária informação construtiva. Este era também um modo de permitir a
previsão de custos da obra. A maqueta reflecte uma separação progressivamente estabelecida
entre informação de âmbito artístico e informação de âmbito técnico, num entendimento
consentâneo com a prática europeia da época. Assim, privilegiando a representação do corpo
central do erário, mais complexo, em detrimento da sua estrutura quadrangular externa, mais
simples, a lógica de execução da maqueta foi sujeita à lógica construtiva da arquitectura que era
convocada a comunicar. Quer na assemblagem das suas peças, quer na articulação das suas partes
amovíveis, a maqueta aproxima-se de um mecanismo – rigoroso e mensurável, isto é: técnico –,
para o qual a cor ou qualquer outra aproximação similar seriam perturbadores e, por isso,
dispensáveis. Ao desenho poderia ser deixada a comunicação persuasiva – colorida e sombreada,
isto é: artística – da obra.
Pela sua formação italiana, José da Costa e Silva terá certamente tido oportunidade de observar
algumas das maquetas então em uso, confrontando-se com as possibilidades e as exigências desse
tipo de representação arquitectónica.
Independentemente destas possibilidades de investigação, a relevância da maqueta do Erário Régio
é determinada pelo facto de ser um dos raríssimos exemplares portugueses anteriores ao século XX
deste tipo de representação projectual. Nesse lapso temporal, só existem três outras maquetas: a
do projecto da Capela-Mor da Sé de Évora, da autoria de João Frederico Ludovice (1673-1752), de
1718, entretanto adaptada para templete da Imagem de Nossos Senhor da Casa dos Ossos, na Igreja
de São Francisco, em Évora, a do projecto da Capela de São João Baptista, da autoria de Luigi
Vanvitelli (1697-1751) e de Nicola Salvi (1700-1773), de 1742-44, que se encontra exposta no Museu
de São Roque, em Lisboa, embora esta última tenha origem romana, e uma terceira, pertencente a
uma colecção particular, que representa o Palácio do Duque, em Alpriate, mandado construir por
D. Pedro Henrique de Bragança (1718-1761), 1.º Duque de Lafões, já a seguir ao terramoto de
1755. Contudo, ao contrário da do erário, estas maquetas surgem, sobretudo, como registos de
apresentação.
Outras existiram, embora delas apenas reste memória.
Texto e Investigação: Doutor Arqto. João Miguel Couto Duarte
Lisboa, Outubro de 2013